RESUMO DA MATÉRIA

  • Por diversos anos, pesquisadores teorizaram e encontraram evidências sugerindo que a doença de Alzheimer pode, de fato, ser um tipo de doença baseada em príons, capaz de ser contraída através de carne contaminada pelos mesmos e transmitida por certos procedimentos médicos invasivos
  • Pesquisas mais recentes trazem mais informações a respeito dessa essa hipótese, descobrindo que as duas proteínas características associadas à doença de Alzheimer, beta amiloide e tau, atuam como príons, de certo modo tornando-a uma doença de príon duplo
  • Níveis mais altos de beta-amiloide e tau semelhantes a príons, foram encontrados naqueles com início precoce da doença de Alzheimer que morreram mais cedo, com o acúmulo de tau mostrando a correlação mais forte
  • Comparado a um paciente que faleceu de Alzheimer aos 90 anos, um paciente que morreu aos 40 tinha, em média, 32 vezes mais tau e prions em seu cérebro

Por Dr. Mercola

Prions são formas anormais e infecciosas de proteínas que se acumulam no tecido cerebral, causando a morte das células. Os buracos esponjosos deixados no cérebro são uma marca registrada de encefalopatias espongiformes transmissíveis, como a encefalopatia espongiforme bovina (BSE, também conhecida como doença da vaca louca em vacas e doença debilitante crônica em cervos e alces), além de doença de Creutzfeldt-Jakob (CJD), a versão humana da BSE.

Tanto a BSE quanto a CJD são o resultado de uma infecção por príon; ambos são intratáveis e sempre fatais. A DCJ esporádica (sCJD), uma forma que aparece sem fatores de risco conhecidos, é responsável por quase 85% dos casos de DCJ diagnosticados:

A DCJ é difícil de diagnosticar, pois fazer uma biópsia cerebral para descartar uma doença é impraticável. No entanto, em 2018, os Institutos Nacionais de Saúde publicaram trabalhos de colegas da Universidade da Califórnia em San Diego e São Francisco, mostrando ser possível medir a distribuição e o nível de príons no olho humano.

Segundo a Dra. Cristina J. Sigurdson, professora de patologia da UC San Diego e Davis, que estava na equipe, "nossas descobertas possuem implicações tanto para estimar o risco de transmissão de sCJD quanto para o desenvolvimento de testes de diagnóstico para doenças de príons antes que os sintomas se tornem aparentes."

Doença de Alzheimer ligada a príons

Por diversos anos, pesquisadores teorizaram e encontraram evidências sugerindo que a doença de Alzheimer pode, de fato, ser um tipo de doença baseada em príons, capaz de ser contraída através de carne contaminada pelos mesmos e transmitida por certos procedimentos médicos invasivos.

Os pesquisadores observaram que a doença de Alzheimer se comporta como uma versão lenta da DCJ e, segundo um artigo, "os príons são considerados uma subclasse de amiloides na qual a agregação de proteínas se torna autoperpetuante e infecciosa." Conforme relatado pela Scientific American:

"Entre os anos de 1958 e 1985, diversos indivíduos com baixa estatura receberam injeções de hormônio de crescimento humano extraído da glândula pituitária de cadáveres... distúrbio cerebral raro e fatal.
Os tratamentos cessaram assim que esses relatórios começaram a aparecer, porém, nessa época cerca de 30.000 pessoas já haviam recebido as injeções. A partir de 2012, os pesquisadores identificaram 450 casos de DCJ em todo o mundo que são o resultado dessas injeções de hormônio do crescimento e outros procedimentos médicos, incluindo neurocirurgia e transplantes."

Pesquisas anteriores realizadas com animais, também descobriram que, quando pequenas quantidades de proteínas beta-amiloides, que são uma marca registrada da doença de Alzheimer, são injetadas em camundongos ou macacos, elas agem como “sementes” auto-propagantes, desencadeando uma reação em cadeia de dobras incorretas de proteínas que resulta em patologia que lembra muito a observada em pacientes de Alzheimer.

Até metade dos pacientes de Alzheimer possuem proteínas semelhantes a príons

Pesquisas crescentes, revelam uma ligação convincente entre uma proteína conhecida como TDP-43 e doenças neurodegenerativas como Alzheimer, Parkinson e doença de Lou Gehrig. TDP-43 se comporta como os príons responsáveis pela destruição cerebral observada na Vaca Louca e na Doença Debilitante Crônica.

Segundo uma pesquisa publicada em 2011, a patologia TDP-43 é detectada em 25% a 50% dos pacientes com Alzheimer, sobretudo naqueles com esclerose hipocampal, caracterizada pela perda seletiva de neurônios no hipocampo, que está associada à perda de memória.

A pesquisa apresentada na Conferência Internacional da Associação de Alzheimer de 2014, também revelou que os pacientes de Alzheimer com TDP-43 eram 10 vezes mais propensos a ter deficiência cognitiva na morte do que aqueles sem.

Doença de Alzheimer - um transtorno de duplo príon

Pesquisas mais recentes de cientistas da Universidade da Califórnia em San Francisco (UCSF), acrescentam mais peso à hipótese de que a doença de Alzheimer é uma doença relacionada a príons. O estudo, publicado na edição de maio de 2019 da Science Translational Medicine, descobriu que as duas proteínas características associadas à doença de Alzheimer, beta amiloide e tau, de fato agem como príons, tornando-a efetivamente uma doença de príon duplo.

Os príons, embora sejam proteínas mal dobradas e não vírus ou bactérias, possuem a capacidade de se espalhar de maneira autopropagante, forçando as proteínas normais a se dobrarem de maneira incorreta. O primeiro príon, chamado PrP, foi descoberto na década de 1980, quando foi identificado como a causa da CJD e SBE.

Conforme observado pela UCSF, "há muito se suspeitava que o PrP não era a única proteína capaz de agir como um príon auto-propagante, e que tipos distintos de príon poderiam ser responsáveis por outras doenças neurodegenerativas causadas pelo acúmulo tóxico progressivo de proteínas mal dobradas."

De fato, aplicando testes de laboratório desenvolvidos de maneira recente, a equipe de pesquisa da UCSF foi capaz de medir "formas de príon auto-propagantes das proteínas beta-amiloide e tau no tecido cerebral post-mortem de 75 pacientes de Alzheimer," confirmando descobertas anteriores de que placas amiloides e emaranhados de tau se espalham da mesma forma que o PrP, causando danos semelhantes, mas em um ritmo mais lento.

Níveis de Tau e Prion fortemente correlacionados com a longevidade

Níveis mais altos de beta-amiloide e tau semelhantes a príons, foram encontrados naqueles com início precoce da doença de Alzheimer que morreram mais cedo, com o acúmulo de tau mostrando a correlação mais forte. Comparado a um paciente que faleceu de Alzheimer aos 90 anos, um paciente que morreu aos 40 tinha, em média, 32 vezes mais tauprions em seu cérebro. Conforme observado pela UCSF:

"A doença de Alzheimer é definida com base na presença de agregações de proteínas tóxicas no cérebro, conhecidas como placas amiloides e emaranhados de tau, acompanhadas de declínio cognitivo e demência.
Mas as tentativas de tratar a doença eliminando essas proteínas inertes não tiveram sucesso. A nova evidência de que os príons ativos de Aß e tau podem estar provocando a doença… podem levar os pesquisadores a explorar novas terapias que se concentram direto nos príons.”

O autor sênior Dr. Stanley Prusiner, diretor do Instituto de Doenças Neurodegenerativas da UCSF, comentou a respeito dos resultados:

"Acredito que isso mostra, com toda razão, que beta amiloide e tau são ambos príons, e que a doença de Alzheimer é um distúrbio de príon duplo, onde essas duas proteínas nocivas destroem o cérebro.
O fato de que os níveis de príons também parecem estar ligados à longevidade do paciente deve mudar a forma como pensamos sobre o caminho a seguir para o desenvolvimento de tratamentos para a doença.”

Um dos principais autores do estudo, Carlo Condello, Ph.D., professor assistente de neurologia no Instituto de Doenças Neurodegenerativas, acrescentou:

“Há não muito tempo, observamos diversas terapias consideradas promissoras para o Alzheimer falharem em ensaios clínicos, levando alguns a especular que estamos mirando nas proteínas erradas. Mas e se apenas não estivéssemos projetando medicamentos contra as formas distintas de príons dessas proteínas que de fato provocam doenças?
Agora que podemos medir de maneira efetiva as formas priônicas de Aß e tau, existe esperança de que possamos desenvolver medicamentos que impeçam sua formação ou propagação, ou ajudem o cérebro a limpá-las antes que causem danos."

O que torna o amiloide infeccioso?

Um estudo publicado na revista Prion em 2014, procurou determinar por que certas proteínas propensas a formar amiloides possuem a capacidade de infectar seus vizinhos. Aqui, também, o autor se referiu ao Alzheimer como uma doença priônica, em particular com referência às placas amiloides formadas:

"As doenças conformacionais, ligadas à agregação de proteínas em conformações amiloides, variam de distúrbios neurodegenerativos não infecciosos, como a doença de Alzheimer (DA), as doenças muito infecciosas, como as encefalopatias espongiformes transmissíveis humanas (EETs). Eles são muito conhecidos como doenças priônicas.
No entanto, como todos os amiloides podem ser considerados príons… é necessário encontrar uma causa subjacente da diferente capacidade de infectar que cada uma das proteínas propensas a formar amiloides possui.
Conforme proposto aqui, tanto a citotoxicidade intrínseca quanto o número de núcleos de agregação por célula podem ser fatores-chave nessa capacidade de transmissão de cada amiloide."

O autor continua afirmando que, embora os amiloides sejam universais e compartilhem certas características estruturais internas, "os príons representam apenas uma pequena gota no oceano amiloide". Para que um amiloide se torne um príon, algo precisa ocorrer, fazendo com que o processo de agregação se torne autoperpetuante e infeccioso.

Ele ressalta que o processo da doença de Alzheimer, embora semelhante ao da DCJ, é muito mais lento e não segue o mesmo caminho de transferência (do baço para o sistema nervoso central). Então, o que faz com que o amiloide em um paciente de Alzheimer se torne infeccioso? O que o transforma em um príon? Para responder a essa pergunta, o autor se volta para a pesquisa sobre príons de fungos e leveduras.

"Descobertas recentes no campo mostraram que o número de núcleos de agregação pode ser um fator que afeta a capacidade de infecção de proteínas propensas a amiloide, assim como sua citotoxicidade intrínseca.
Tanto em príons de fungos quanto de leveduras, o número de núcleos de agregação por célula determina, seguindo a lei de Poisson, a probabilidade de infectividade do príon. Assim, elevados números de núcleos de agregação por célula resultam em um aumento na infectividade," ele escreve.

Ele também especula que a citotoxicidade desempenha um papel importante e que "a citotoxicidade intrínseca de cada amiloide... poderia ser um fator chave na diferenciação entre amiloides infecciosos e não infecciosos em humanos."

No ano seguinte, em 2015, o mesmo autor, acompanhado de diversos outros, publicou um segundo artigo na mesma revista, intitulado “Amiloides ou Prions? Essa é a questão." "Apesar de grandes esforços dedicados à compreensão do fenômeno da transmissibilidade de príons, ainda é pouco compreendido como essa propriedade é codificada na sequência de aminoácidos," escrevem eles.

Segundo esse artigo de 2015, experimentos utilizando príons de levedura demonstraram que, para que os príons se formem, devem existir "regiões de sequência intrinsecamente desordenadas enriquecidas com uma proporção sobretudo alta de glutamina e asparagina."

A hipótese de proteção antimicrobiana da doença de Alzheimer

Outros estudos recentes, entretanto, sugerem que a beta-amiloide encontrada em pacientes com Alzheimer também é um peptídeo antimicrobiano (AMP). Os AMPs são as proteínas efetoras primárias do seu sistema imunológico inato que têm como alvo bactérias, vírus e fungos. Eles também atuam como mediadores da inflamação e desempenham um papel na liberação de citocinas, angiogênese, entre outros.

Em um desses estudos, os autores sugerem beta-amiloide, como um AMP, "utiliza fibrilação para proteger o hospedeiro de uma ampla gama de agentes infecciosos." Outro estudo aponta que "origens antigas e conservação generalizada sugerem que a sequência Aβ humana é altamente otimizada para sua função imunológica."

Descobertas como essas sustentariam a hipótese de que a proteína beta amiloide pode de fato ter como alvo os príons e tentar proteger o hospedeiro da infecção. Em outras palavras, a presença de beta-amiloide pode não ser a causa real da doença de Alzheimer, mas sim o resultado de um mecanismo de defesa inato contra a infecção por príons, talvez adquirido através do consumo de carne infectada por príons.

Muito disso ainda é especulativo, mas é uma ideia intrigante. Embora escasso, existem algumas evidências (que ainda precisam ser reproduzidas) de que infecções por príons entre espécies podem de fato ocorrer. Conforme observado em "A Hipótese de Proteção Antimicrobiana da Doença de Alzheimer," publicada na edição de dezembro de 2018 da Alzheimer's & Dementia:

"Nós exploramos aqui um novo modelo para amiloidogênese na doença de Alzheimer (DA). Essa nova perspectiva sobre a amiloidose da DA procura fornecer uma estrutura racional para incorporar descobertas recentes e ao que parece, independentes sobre o papel antimicrobiano do β-amiloide e dados experimentais, genéticos e epidemiológicos emergentes, sugerindo que a inflamação mediada por imunidade inata propaga a neurodegeneração da DA ...
Descobertas emergentes são cada vez mais inconsistentes com a caracterização da oligomerização de Aβ como uma atividade não fisiológica e sobretudo patológica. Estudos recentes sugerem que Aβé uma molécula efetora antiga e muito conservada da imunidade inata.
Além disso, a oligomerização de Aβ e a geração de β-amiloide parecem ser importantes vias imunes inatas que medeiam o aprisionamento de patógenos e protegem contra infecções.
NOVO MODELO DE AMYLOIDOGENESIS DA AD: descobertas recentes sobre neurodegeneração mediada por inflamação e o papel de Aβ na imunidade levaram ao surgimento da 'Hipótese de Proteção Antimicrobiana' da DA. Nesse modelo, a deposição de β-amiloide é uma resposta imune inata precoce a um imunodesafio genuíno ou percebido de maneira errônea.
Aβprimeiro aprisiona e neutraliza patógenos invasores em β-amiloide. A fibrilação de Aβ conduz as vias neuroinflamatórias que ajudam a combater a infecção e limpar os depósitos de β-amiloide/patógeno. Na DA, a ativação crônica desta via leva a inflamação sustentada e neurodegeneração.
A montagem de dados liga níveis elevados de micróbios cerebrais com AD. A Hipótese de Proteção Antimicrobiana revela como o aumento da carga microbiana cerebral pode exacerbar direto a deposição de β-amiloide, inflamação e progressão da DA."

Alzheimer é de fato evitável

Diversas vezes, acredita-se que a demência é uma condição que não pode ser controlada, mas existem diversos fatores que você pode influenciar para reduzir bastante o risco. É importante abordar diversos fatores, no entanto, e não se concentrar apenas em apenas um ou dois.

Melhorar sua aptidão cardiovascular é um excelente ponto de partida, quando combinado com outras abordagens para resolver a disfunção mitocondrial, pode ser de fato eficaz na prevenção do declínio cognitivo.

Outras estratégias para ajudá-lo a reduzir o risco de doença de Alzheimer incluem: realizar uma dieta cetogênica, otimizar seus níveis de vitamina D e ômega-3, eliminar glúten e alimentos processados e jejum cíclico (intermitente e parcial), conforme detalhado em meu último livro, "KetoFast ."

Além disso, uma das estratégias mais eficazes e simples para aumentar as proteínas de choque térmico, que são responsáveis por redobrar de maneira adequada as proteínas amiloides e tau, é a sauna de infravermelho próximo. De certo modo, acredito que essa é uma estratégia que quase todos com mais de 50 anos devem se envolver de maneira regular.