RESUMO DA MATÉRIA

  • A dependência alimentar é definida como um 'comportamento alimentar que envolve o consumo excessivo de alimentos específicos, semelhante à um vício'. Até 20% da população em geral, pode apresentar dependência alimentar
  • A pesquisa demonstrou diversas vezes de que o vício em alimentos é quase indistinguível do vício em drogas
  • Alimentos processados hiperpalatáveis, que possuem uma combinação de sal, açúcar, sabores artificiais e gordura, também têm sido associados ao vício em alimentos
  • Alimentos doces ricos em gordura, não desencadeiam os sintomas de abstinência semelhantes aos opiáceos (derivadas da papoula) normalmente observados em animais que consomem muito açúcar. Pesquisadores, portanto, acreditam que a gordura melhora alguns dos efeitos viciantes do açúcar

Por Dr. Mercola

A dependência alimentar, definida como um “comportamento alimentar que envolve o consumo excessivo de alimentos específicos de maneira semelhante à um vício”, é um problema comum. Utilizando uma escala clínica chamada Yale Food Addiction Severity Scale (YFAS), que foi construída para corresponder aos critérios do DSM IV para dependência de substâncias, um estudo de janeiro de 2022, descobriu que até 20% da população em geral poderia ser diagnosticada com dependência alimentar.

A pesquisa demonstrou que o vício em alimentos é indistinguível do vício em drogas. Uma substância com muita suspeita de apresentar um potencial viciante é o açúcar. Conforme observado em um estudo de novembro de 2019, “o consumo excessivo de sacarose provoca um desejo semelhante ao vício que pode sustentar a epidemia de obesidade.”

Utilizando tomografia por emissão de positrões com agonistas dos receptores beta-opioides e de dopamina, os pesquisadores foram capazes de mostrar como a sacarose afeta a química do cérebro em porcos miniatura. Mesmo uma única exposição à sacarose produziu uma queda de 14% na ligação do carfentanil (um agonista do receptor beta-opióide) em certas partes do cérebro, consistente com a liberação de opióides.

Em outros termos, o consumo de açúcar desencadeia a liberação de opioides naturais e dopamina no cérebro, diminuindo a disponibilidade desses receptores. A disponibilidade reduzida de receptores é um sinal de superestimulação, porque quando o cérebro fica superestimulado, ele regula de maneira negativa esses receptores, evitando danos.

A desvantagem desse mecanismo de proteção é que agora você precisa de uma dose mais alta da substância para obter a mesma resposta de prazer, e esse é um mecanismo essencial pelo qual o vício se desenvolve.

Revisão médica causa dúvidas a respeito do vício em açúcar

Considerando o que nós sabemos a respeito da natureza viciante do açúcar, é um surpreendente encontrar um artigo romeno no Frontiers of Psychiatry, publicado em 10 de janeiro de 2022, que afirma que não há evidências suficientes para apoiar um diagnóstico médico de dependência de açúcar em humanos:

“'Vício em açúcar' é um subtipo de dependência alimentar que é considerado ser definido pelo consumo excessivo de alimentos processados com um alto teor de açúcar. O açúcar pode ser viciante através de potentes efeitos de reforço através das vias gustativas e pós-ingestivas.
Se o sabor adocicado ou os sinais nutricionais envolvem caminhos cerebrais distintos para motivar a ingestão, ainda é uma questão de debate. Foi observado em ratos, evidências de que circuitos separados dos gânglios basais são responsáveis pelas ações hedônicas e nutricionais do açúcar...
Em conclusão, o açúcar recruta um circuito dopaminérgico específico, que atua para priorizar a busca de energia sobre a qualidade do sabor, e sua localização e funcionamento indicam um possível envolvimento do sistema de recompensa.
Uma revisão de literatura focada em açúcar e dependência alimentar não encontrou, no entanto, evidências suficientes para apoiar a existência de dependência de açúcar em humanos, enquanto dados da literatura animal, sugerem que comportamentos semelhantes a dependência ocorrem apenas no contexto de acesso intermitente ao açúcar ( como consequência do acesso limitado a alimentos de sabor doce/altamente palatáveis, não devido aos efeitos neuroquímicos do açúcar)."

Alimentos Processados Hiperpalatáveis

Segundo o artigo da Frontiers of Psychiatry, os alimentos hiperpalatáveis, que de certo modo possuem uma combinação de sabores, como sal, açúcar, sabores artificiais e gordura, são mais propensos a serem problemáticos:

“Alimentos com alto teor de sódio, com sabor artificial, ricos em carboidratos e gorduras saturadas são gatilhos para a ativação das mesmas vias neurais, portanto, agem de maneira semelhante a qualquer abuso de substâncias.”

Segundo os autores, o “vício em alimentos ricos em gordura” é uma condição diagnosticável. No entanto, eles especificam que o que eles estão se referindo não é apenas qualquer alimento com alto teor de gordura, mas sim alimentos processados hiperpalatáveis, ricos em gordura e açúcar. Essa é uma distinção importante, pois realizar uma dieta cetogênica com alto teor de gordura e baixo teor de carboidratos de certo modo será a resposta para diversas pessoas que lutam contra o vício em alimentos e desejos por doces.

Açúcar X Gordura e o vício em alimentos

Contradizendo algumas das alegações do jornal Frontiers of Psychiatry, um estudo de 2012, que descobriu que a compulsão por alimentos gordurosos não causava os sintomas de abstinência semelhantes aos opiáceos observados quando se consumia apenas açúcar. Isso sugere que a presença de gordura pode melhorar de fato alguns dos efeitos viciantes. Conforme explicado pelos autores:

“Os sistemas neurais que motivam e reforçam a busca e a ingestão de alimentos também fundamentam os comportamentos associados ao abuso de drogas... Estudos anteriores, sugerem que o acesso limitado ao açúcar leva a alterações comportamentais, nos sistemas de dopamina (DA) e opióides semelhantes, embora de menor magnitude, às observadas durante a dependência de drogas.
Desses comportamentos semelhantes ao vício associados ao consumo excessivo de açúcar, a evidência de abstinência semelhante a opiáceos é de interesse particular. Utilizando nosso modelo animal de laboratório , onde apresenta uma ingestão compulsiva de açúcar, nós descobrimos que, quando administrado o antagonista opióide naloxona, os ratos mostram sinais somáticos de abstinência, incluindo bruxismo, tremores nas patas dianteiras e balançar a cabeça, bem como ansiedade.
Além disso, esses comportamentos estão associados a uma redução na liberação de DA no núcleo accumbens e a um aumento na liberação de acetilcolina, um desequilíbrio neuroquímico que foi observado durante a retirada de diversas substâncias viciantes.
Sinais comportamentais e neuroquímicos de abstinência semelhante a opiáceos também foram observados sem o uso de naloxona (ou seja, de maneira espontânea) após um jejum realizado em ratos com histórico de compulsão alimentar de açúcar.
Outros observaram que ratos apresentando um histórico de acesso limitado ao açúcar, tiveram uma redução da temperatura corporal quando o açúcar foi removido por 24 horas e podem apresentar sinais de comportamento agressivo, ambos também aceitos como indicações de abstinência.
Além disso, foi demonstrado que uma dieta rica em açúcar provoca sinais de ansiedade e hiperfagia, que parecem ser mediados por sistemas hormonais de liberação de corticotrofina no cérebro.”

A gordura não afeta seus sistemas opióides cerebrais como o açúcar

Enquanto alguns estudos descobriram que a compulsão alimentar com alto teor de gordura e/ou gordura doce pode produzir sintomas de abstinência semelhantes aos opiáceos em resposta à naloxona, um antagonista de opiáceos, eles não encontraram isso aqui.

A ansiedade precipitada pela naloxona não foi observada em ratos que receberam uma ração rica em açúcar e gordura. Os pesquisadores levantaram a hipótese de que a inclusão de gordura “pode ter interferido na expressão dos sinais de abstinência” observados em ratos que tiveram uma dieta rica em açúcar.

“Essas descobertas, portanto, sugerem que a abstinência de opiáceos não é observada em resposta à compulsão alimentar de todas as dietas palatáveis, sobretudo aquelas ricas em gordura, que é, como o açúcar, conhecida por exercer efeitos nos sistemas opióides cerebrais,” observaram os pesquisadores. “Assim, o surgimento dos sinais de abstinência semelhantes aos opiáceos vistos em resposta à compulsão alimentar, parece ser específico de macronutrientes.”

Um artigo de 2012 comentou essa pesquisa, observando:

“Essas descobertas de falta de abstinência de opiáceos em resposta ao consumo excessivo de alimentos ricos em gordura, destacam a importância de entender os efeitos de nutrientes específicos nos comportamentos ligados ao 'vício alimentar.'
Embora os alimentos ricos em gordura possam provocar efeitos semelhantes ao vício, a falta de abstinência semelhante aos opiáceos sugere que os sistemas opióides cerebrais são afetados devido ao excesso de alimentos ricos em gordura em comparação com o excesso de açúcar. ”

Os animais que tiveram um grande consumo de alimentos gordurosos, no entanto, ingeriram muito mais calorias e ganharam bem mais peso do que os controles que receberam ração padrão. Não é surpresa o fato de que a quarentena e os bloqueios do COVID-19 resultaram em muitos ganho de quilos indesejados. Em média, as pessoas que relataram ganho de peso, ganharam entre 0,5 a 2,8 kg e isso foi apenas nos primeiros dois meses da quarentena de 2020!

Se tornar metabolicamente flexível é uma grande parte da resposta

Se você já sabe ou suspeita que possui um vício em consumo de alimentos, minha recomendação é que refaça sua dieta. A chave para se livrar dos desejos de açúcar e alimentos gordurosos, na minha experiência, é realizar uma dieta rica o suficiente em gorduras saudáveis, com poucas quantidades de carboidratos refinados, também conhecida como dieta cetogênica.

Eu sou um grande defensor de uma dieta cetogênica CÍCLICA. Isso significa que, uma vez que você seja capaz de queimar gordura como seu principal combustível, o que é evidenciado por sua capacidade de gerar cetonas acima de 0,3 mmol / l no sangue, você pode começar a entrar e sair da cetose. Para fazer isso, aumente sua ingestão líquida de carboidratos e proteínas muito até sair da cetose e reduzi-la outra vez.

Após um dia ou dois de "banquetes", você voltará à cetose nutricional (ingerindo muitas gorduras, poucos carboidratos e um valor moderado de proteínas) pelo resto da semana. Ao fazer ingestões periódicas adicionais de carboidratos, consumindo, digamos, 100 ou 150 gramas de carboidratos em vez de 20 a 50 gramas por dia, seus níveis de cetona aumentarão de modo substancial e seus níveis de açúcar no sangue continuarão baixos.

Escusado será dizer que os alimentos processados não são recomendados e precisam ser evitados, pois a maioria deles é carregada com grandes níveis de ácido linoleico ( o que por sua vez é perigoso), aumentando assim o estresse oxidativo metabólico. Consumir alimentos saudáveis é a chave para o sucesso, independente da proporção de gordura, carboidratos e proteínas. Outro passo importante é selecionar as gorduras certas.

Quais tipos de gorduras ingerir e quais não

As gorduras a evitar ao máximo incluem:

  • Óleos vegetais industriais ou de sementes, como canola, soja, semente de uva, colza e cártamo. Esses óleos são sobretudo o ácido linoleico ômega-6 (LA), que se integra e causa disfunção nas membranas celulares, incluindo a membrana mitocondrial.

Se você compra alimentos processados ou frequenta restaurantes de maneira regular, é quase garantido que está realizando uma dieta rica em ômega-6, pois a maioria dos restaurantes utiliza esses óleos em sua culinária e panificação e a maioria dos alimentos processados é feita com eles

  • Margarina
  • Gordura vegetal
  • Qualquer manteiga falsa e pastas

Gorduras para ingerir incluem:

Azeitonas

Azeitonas e azeite de oliva (procure produtos certificados por terceiros, pois 80% dos azeites são adulterados com óleos vegetais)

Ômega-3 de peixes com baixo teor de mercúrio, como o salmão selvagem do Alasca, sardinhas, anchovas e óleo de Krill

Manteiga feita com leite integral orgânico

Nozes cruas como macadâmia e pecãs

Sementes como gergelim preto, cominho, abóbora e cânhamo

Abacates

Carnes de animais terminados a pasto

Óleo MTC

Ghee (manteiga clarificada); banha e sebo (excelentes para cozinhar)

Manteiga de cacau pura

Ovos orgânicos de pastagem

Sebo bovino

Banha

Óleo de coco (excelente para cozinhar, pois suporta altas temperaturas sem oxidar)

Como implementar uma dieta cetogênica cíclica

Para implementar a dieta cetogênica low-carb, elimine os alimentos processados e industrializados. Priorize os alimentos de verdade (integrais), repletos de gorduras saudáveis, e o mínimo possível de carboidratos líquidos. Isso envolve reduzir ou eliminar cereais e qualquer alimento com alto teor de açúcar, em especial a frutose, mas também a galactose (encontrada no leite) e outros açúcares.

Como regra geral, reduza os carboidratos líquidos para um valor entre 20 e 50 gramas por dia ou menos, e restrinja a proteína para 1 grama por Kg de massa magra. Para garantir que você esteja de fato atendendo às suas necessidades nutricionais e mantendo as taxas ideais de nutrientes, uma ferramenta como o monitorador de nutrientes www.cronometer.com/mercola, pode ser inestimável.

O meu monitorador vem pré-configurado para a cetose nutricional. Basta você inserir os parâmetros e ele vai calcular de maneira automática a quantidade de proteínas, carboidratos e gorduras saudáveis que você deve consumir para atingir a cetose nutricional. A cetose permite que seu corpo comece a queimar gordura como combustível primário em vez de açúcar, o que otimiza sua função mitocondrial, metabolismo, saúde geral e forma física.

Não se esqueça de que, uma vez que você conseguir gerar cetonas acima de 0.3 mmol/l, é hora de reintroduzir os carboidratos ciclicamente em sua dieta. Em geral, duas a três vezes por semana vai funcionar bem. O melhor momento para aumentar seus carboidratos é nos dias em que você está fazendo treinamento de força e aumentando sua ingestão de proteínas também.